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sábado, 21 de setembro de 2013

BENTANÇA

Um comentário:

  1. BENTANÇA

    Era o apelido da pobre mulher. Jamais reclamara de tal apelativo, uma vez que era sabedora de que fazia jus ao mesmo.
    A origem de tudo foi quando resolveu passar na linda e histórica igreja cujo padroeiro era São Francisco, bem no centro da capital do Estado.
    Estava Benta (esse era seu nome de batismo) caminhando pelo calçadão, quando lembrou-se de que sua mãe era da Ordem Terceira de São Francisco e utilizava muita água benta para benzer a casa, os filhos e até os animais, fazendo sempre o sinal da cruz.
    Imitando o bem costume de sua saudosa progenitora, Benta entrou na referida igreja. Sabia onde ficava a Sacristia e onde estava o barril com a água abençoada com antecedência por frei Faustívero. Mas, como carregar a água no ônibus até chegar em casa? Lembrou-se então de que em suas sacolas havia uma garrafa com um restinho de água mineral que comprara para mitigar a sede.
    Bebeu o que sobrara e adentrou ao recinto que era um tanto quanto escuro.
    Lá estava o enorme recipiente, repleto, com um funil e uma concha para pegar a água. Muitos fiéis utilizam a água benta por diversos motivos.
    Benta encheu a garrafa. Passando pela senhora que cuidava da portaria escutou a recomendação:”não beba da água, pois no fundo do barril há lodo, sujeira depositada. É só para uso externo”...
    Mas, quem diz que a tança (expressão comum na ilha de Santa Catarina, de origem açoriana) lembrou do conselho no outro dia?! Misturou as compras que fizera na volta para a casa com a água benta e sem perceber, tomou todo o líquido sagrado!
    Somente dias depois, quando teve oportunidade e tempo livre e foi procurar a tal garrafinha para benzer a casa, cadê o vasilhame?
    Ai que medo! E se ficasse doente, por causa da água contaminada? Mas, qual nada! Nenhum sintoma diferente, pelo menos aparentemente.
    São Francisco por certo abençoou pessoalmente aquela água de sua igreja.
    E não é que a história se repete tempos depois?
    Agora, já morando em outra casa e desejando aspergir a nova residência conforme a tradição familiar, Benta, ou melhor, “Bentança” dirigiu-se à Paróquia São Judas Tadeu para participar da Missa
    dominical e buscar o líquido abençoado.
    Dessa vez, escolheu com antecedência em casa, uma garrafinha de água mineral Santa Maria, dessas bem pequenas. Cuidadosa, recordando da trapalhada anterior, colocou um rótulo, afixando com fita crepe em todo o entorno da garrafa vazia que encontrara disponível na sua cozinha.
    Chegou cedo para a Missa, abasteceu a vasilha na entrada da igreja onde havia um latão menor, pois os fiéis eram poucos naquela periferia e o padre deixava pouca água preparada ali, dentro de uma caixa de madeira, bem tampada.
    Durante toda a liturgia, Benta zelou pela garrafinha.
    Terminada a cerimônia litúrgica, pegou a bolsa, o jornal da Arquidiosese, o invólucro contendo a água benta e voltou para o lar. Nem lembrou mais da água santa dentro do carro!...Esqueceu até de benzer a casa naquele dia mesmo. Eram tantas as tarefas caseiras em que se envolvera ao chegar...
    Dois dias depois, precisou visitar sua netinha que estava convalescente de uma virose. No meio da viagem, de aproximadamente uns trinta quilômetros, sentiu sede. No semáforo, apalpou entre as sacolas e a primeira garrafinha (sempre levava mais de uma no seu carro) que conseguiu pegar, foi a própria: a de água benta! Tomou tudo! Ainda dirigindo, lembrou do que acabara de fazer. Nem percebera a fita gomada aderente ao frasco!
    Novamente o pesadelo. Ficou muito preocupada. Observara na igreja que o funil boiava na água.Por certo os fiéis enfiavam a mão na água para pegá-lo, a cada vez. E se estivesse contaminada? Em tempos de gripe “aviária”, será que só a fé bastaria para não ficar doente?
    Chupou balas de mel e agrião, tomou um cálice de vinho antes de almoçar na casa do filho para desinfetar, quem sabe, todo o trato gastrointestinal.
    Realmente nada de mal acontecera. São Judas Tadeu era poderoso!
    Só ficou a cômica constatação: era Bentança mesmo!
    Vanilda Tenfen-Florianópolis, setembro de 2013.



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